Vamos começar apresentando os envolvidos. De um lado, temos a Rússia, o maior país em extensão territorial do mundo:

Do outro, a Ucrânia, um país pequeno se comparado à gigante Rússia, mas, grande também, sendo o segundo maior país da Europa (atrás apenas da própria Rússia):

E temos ainda uma terceira figura nessa história, que é a OTAN, a Organização do Tratado do Atlântico Norte, composta basicamente pelos países desenvolvidos do Ocidente (Europa + EUA e Canadá).
A OTAN foi criada em 1949, alguns anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, para consolidar e ampliar a aliança entre as grandes forças da Europa e os Estados Unidos, já que essa aliança havia se mostrado muito bem sucedida na vitória das democracias ocidentais sobre o nazismo.
Com o fim da Segunda Guerra, porém, surgia um novo e perigoso adversário, a União Soviética, que saiu da guerra poderosa e muito mais forte do que havia entrado, por ter anexado inúmeros territórios ao bloco comunista e expandido o seu raio de influência.
Essa polarização que se desenhava (e que se confirmou pela Guerra Fria) forçava o Ocidente a se precaver contra a possibilidade de um novo conflito, por isso, ele decidiu se unir novamente para bater de frente com a ameaça soviética.
A OTAN, portanto, é uma espécie de pacto que os países ocidentais firmaram para garantir defesa mútua. Caso um deles seja atacado por uma força externa, todos têm que entrar em cena para defender o aliado. Eis o mapa que engloba os países membros da OTAN:

Acontece que a OTAN, com o passar do tempo, veio crescendo e incorporando novas nações em seu Tratado. É muito vantajoso fazer parte desse grupo de países, tanto para quem entra, tanto para quem recebe mais um aliado, pois o grupo inteiro fica mais forte.
Por isso, da década de 90 para cá, países do leste europeu, que até então faziam parte do bloco soviético, quiseram “mudar de lado” após a dissolução da URSS, pedindo para integrar a OTAN e se juntar ao grande adversário da Rússia.
É bom lembrar também, que a OTAN posiciona bases militares nos países que integram o seu Tratado, como se fosse um jogo de WAR, expandindo a sua presença militar pelo globo e tornando o grupo de aliados cada vez mais forte.
Numa primeira leva, os países do leste europeu que integraram a OTAN foram: Polônia, República Tcheca e Hungria. Num segundo momento, Romênia, Bulgária, Lituânia, Letônia, Estônia, Eslovênia e Eslováquia. E, por fim, Croácia e Albânia são os mais recentes.
Mapa da cronologia em que cada país europeu aderiu à OTAN, sendo os azuis os mais antigos e os verdes os mais recentes:

Percebam no mapa acima que esses países formam uma espécie de cinturão que divide a Europa Ocidental do território russo.

Mesmo assim, a Rússia não ficou nada feliz com a progressiva perda desses aliados. No entanto, ela nada pôde fazer e apenas observou o movimento das coisas, deixando para agir num momento futuro que fosse mais adequado.
Isso porque o fim da URSS foi um baque no poderio russo e a China, sua aliada de movimento comunista, não estava ainda no patamar que já alcançou hoje. Portanto, se eles quisessem fazer alguma coisa em retaliação a isso teriam que esperar:
1) a recuperação da Rússia; e
2) a ascensão da China.
Duas coisas que já aconteceram.
Ok. E onde a Ucrânia entra nessa história?
A Ucrânia, como foi dito, é o segundo maior país europeu (coisa que por si só já faz dela um país importante na geopolítica da região), e está posicionada bem nesse “cinturão” de países que se libertaram da União Soviética, sendo um dos poucos que ainda não oficializaram uma integração à OTAN. Por isso, a Rússia entende que não pode se dar ao luxo de perder esse último resquício de influência que tinha no Leste Europeu ou de ter a OTAN estabelecendo bases militares na fronteira do território russo.

Além disso, impedir que a Ucrânia se bandeie para o lado dos inimigos da Rússia é uma questão de honra para Vladimir Putin, uma vez que a relação entre os dois países é bem mais profunda do que parece.
A Ucrânia era um território do antigo Império Russo e Kiev (capital ucraniana) foi a primeira capital russa antes do país transferir a sede para Moscou. Essa região, porém, foi perdida lá atrás, durante os períodos de instabilidade que levaram o império ao fim. Os ucranianos declararam-se independentes da Rússia, mas, logo em seguida, foram anexados novamente pela União Soviética e só vieram a alcançar a independência, de fato, em 1994.
Portanto, os russos não engolem a perda da Ucrânia até hoje, depois de já a terem em suas mãos por duas vezes e perdido.
Os ucranianos, por outro lado, após tanto tempo sob o domínio russo e a lembrança dos genocídios do Holodomor e dos Grandes Expurgos com os quais os soviéticos provocaram a morte de mais de 3 milhões de ucranianos, parecem querer usar a liberdade recém-conquistada para se aproximar do Ocidente e se afastar de vez da Rússia.
Isso ficou muito próximo de se confirmar em um acordo que estava na iminência de ser assinado em 2013, pelo presidente ucraniano, Viktor Yanukovich, e a União Europeia. No entanto, na última hora, o presidente deu para trás e rejeitou o acordo. Especula-se que Moscou tenha ameaçado o líder ucraniano de alguma forma, a fim de provocar uma desistência tão repentina e misteriosa.
Mas o fato é que os ucranianos não engoliram esse retrocesso e se revoltaram contra o rumo das coisas. O presidente foi destituído do cargo, a Rússia aproveitou a instabilidade no país vizinho para invadir a Crimeia (território ucraniano que faz fronteira com a Rússia) e o país virou palco de uma guerra civil entre os favoráveis a uma aliança com o Ocidente e os favoráveis entre uma aliança com a Rússia. Caos total.


A Rússia, desde então, tem apoiado separatistas ucranianos e fomentado a rebelião no país vizinho. O governo da Ucrânia, em resposta, tenta combater a influência russa e as figuras da política interna que desejam se aproximar dos russos, o que levou o presidente Vladimir Putin a subir o tom contra o governo ucraniano dizendo que eles representam um “projeto anti-Rússia”.

É claro. Putin está irritado porque eles não querem ceder à sua vontade e, como bom e velho membro da KGB, a sua resposta diante de uma situação como essa nunca é aceitar a liberdade do outro, mas, sim, manipular os bastidores para conseguir o que se quer na marra.
Recentemente, o Reino Unido emitiu uma declaração oficial alegando que Putin está mexendo seus pauzinhos para instalar um aliado seu na presidência da Ucrânia e conseguir governar o país por meio dele (método idêntico ao que usava a KGB para desestabilizar a política de países que eles pretendiam anexar depois).

Os separatistas fazem parte de grupos paramilitares que tomaram controle de alguns territórios ucranianos e estão empenhados na chamada Guerra de Donbass, um conflito militar de ucranianos pró-Rússia contra o próprio Governo da Ucrânia.
Putin continua levando à frente o discurso de que ele está fazendo isso em defesa própria, a fim de conter o avanço do Ocidente para mais perto de suas fronteiras.
Porém, a expansão ocidental está resguardada de críticas nesse sentido, uma vez que se baseia na livre e espontânea vontade dos países do Leste Europeu em se aproximarem de quem eles quiserem e aderirem à aliança com a OTAN, coisa que está no direito de qualquer país soberano fazer e que a Rússia tem todo o direito de achar ruim, mas não tem o direito de pintar como uma trapaça ou de tentar impedir.
Na medida, então, em que os dois lados se recusam a recuar, as tensões vão subindo com o passar do tempo e o tom dos alertas emitidos por ambos os lados vão aumentando igualmente.
Mas engana-se quem pensa que a Rússia está sozinha nessa: se o Ocidente tem uma OTAN inteira de alianças, o Oriente não fica atrás, pois, a Rússia também tem os seus aliados em número suficiente para bater de frente com a OTAN, como China e Índia (os dois países mais populosos do mundo), Coreia do Norte, Cazaquistão, Azerbaijão, Quirguistão, Afeganistão, Turcomenistão, Arábia Saudita, Irã e quase todos os países do Oriente Médio que odeiam o Ocidente acima de tudo. Ou seja, seria uma briga de cachorros muito grandes.
Ambos os lados já falam abertamente que a possibilidade de um conflito é real, embora digam também que esse não é o desejo deles.
É claro: “eu não quero guerra com ninguém, desde que os meus adversários aceitem as minhas vontades passivamente e se curvem aos meus desejos”…
Mas, por que será que essa tensão está chegando ao nível de especularmos uma Terceira Guerra Mundial justo agora?

Em primeiro lugar, temos um fato que já era esperado há algum tempo. Quem acompanhou as minhas postagens na época das eleições americanas vai se lembrar que eu batia muito numa tecla de que, se Trump perdesse, o Ocidente perderia o seu “cão de guarda”.
Trump foi responsável por colocar em prática uma política externa fenomenal, que trouxe ao mundo quatro anos de estabilidade e paz: destruiu o Estado Islâmico, encerrou a onda de ataques terroristas nos EUA e Europa, colocou todos os seus adversários no lugar deles, avisou a China que não permitiria que ela continuasse tirando vantagem sobre os americanos, defendeu Israel, organizou um acordo histórico entre as Coreias etc. Ou seja, ele foi impecável nesse quesito.
Joe Biden, no entanto, é um líder fraco, confuso mentalmente, financiado por todos os globalistas e comunistas que você pode imaginar, além de ideologicamente de esquerda.
Era evidente que os EUA (e o Ocidente por consequência) estariam vulneráveis com ele no comando e que os adversários do Ocidente aproveitariam uma vitória de Biden para colocar as manguinhas de fora e fazer tudo o que não podiam nos quatro anos de Trump.
Não deu outra. Já no seu primeiro ano de mandato as tensões contra o Ocidente começaram a aumentar e os conflitos a se desenhar.
Consequência disso: o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, agora, acusa Putin de estar enviando tanques de guerra para municiar os rebeldes em território ucraniano. Imagens recentes de satélite mostram um aumento gradativo da presença militar russa (mais de 90 mil soldados) na fronteira com a Ucrânia.

E, como eu falei antes, os russos não estão sozinhos nessa percepção de que as tensões na Ucrânia representam uma oportunidade a ser explorada na nova Guerra Fria contra o Ocidente.


O Oriente é paciente. Assim como a China, a Rússia vem se preparando silenciosamente para uma situação de conflito há anos:


A maior reserva cambial da história russa (US$ 600 bilhões) e a maior reserva de gás natural do mundo são dois recursos estratégicos: um para atacar e outro para defender. Em uma situação de guerra, as economias sofrem um baque muito grande com os ataques sofridos, os gastos militares, as mortes etc.
Além da possibilidade de sofrer sanções econômicas dos países adversários. A reserva, então, existe para proteger a Rússia contra esses perigos econômicos que podem levar uma nação à falência e determinar o resultado da guerra.
E a maior reserva de gás natural do mundo poderia servir ainda como uma poderosa arma de ataque no sentido de que a Europa depende do gás natural russo para sobreviver. Sem ele, milhões de europeus congelariam no inverno e morreriam de frio. Ou seja, a Europa está nas mãos dos russos, que vieram se preparando, enquanto o Ocidente dormia.
Agora vejam essa matéria:

Joe Biden parece estar fazendo questão de acirrar os ânimos, levando o próprio Presidente da Ucrânia (quem ele diz querer ajudar) a insinuar que ele está metendo os pés pelas mãos nas ameaças à Rússia…
“Nós somos gratos aos EUA pela sua tentativa de apoiar a nossa soberania, mas eu sou o Presidente da Ucrânia, eu sou baseado na Ucrânia, e acho que conheço os detalhes melhor do que qualquer outro Presidente. A questão não é sobre o Presidente dos EUA, porque nós entendemos quais são os riscos aqui”.
Depois desse “cala boca, burro” do Presidente da Ucrânia, surge a questão: será que Biden não pode estar querendo forçar uma situação justamente para provocar a guerra? E, com o discurso de querer ajudar a Ucrânia, ele pode estar subindo o tom exatamente para dar à Rússia um casus belli (uma ameaça concreta que justifique o ataque da Rússia)?
Só o tempo irá dizer, mas, enquanto isso, quem poderá duvidar da capacidade dos democratas americanos em jogar contra o próprio Ocidente e favorecer o esquema russo-chinês?
Bolsonaro, que tem viagem marcada para a Rússia agora em fevereiro para tratar de questões comerciais, tem sofrido grande pressão da Casa Branca para endossar as críticas à postura de Putin.

Agora, se o Bolsonaro fizer isso (coisa que ele não deve fazer, pois tudo o que Rússia e China querem é que o Ocidente morda a isca deles), quem vocês acham que a mídia vai responsabilizar por um eventual conflito?
Sim, caso tudo isso evolua para uma Terceira Guerra Mundial, obviamente a mídia e os livros de História no Brasil colocariam tudo isso na conta do nosso Presidente, sem mencionar sequer que é o Biden que está pressionando por isso.
Enfim, esta é a situação de momento. Muita coisa ainda vai rolar daqui para frente e absolutamente TUDO pode acontecer, inclusive nada…
Mas, de todo jeito, só o que já aconteceu até aqui é prova suficiente de algumas certezas:
- A Rússia não desistiu dos objetivos soviéticos de construir uma grande rede de influência global que faça oposição ao Ocidente
- Ela vem se preparando em silêncio para um eventual confronto, enquanto o Ocidente ainda crê na ilusão de que eles mudaram e que são bonzinhos agora
- A China está apoiando a Rússia nesse empenho antiocidental e, além dela, existem diversas nações (sobretudo as comunistas e islâmicas) que têm todos os motivos do mundo para endossar um conflito
- O Ocidente nunca esteve tão vulnerável (com a Europa ultradependente do gás da Rússia e da economia chinesa, além dos EUA com o esquerdista Joe Biden tomando as decisões) e os nossos adversários nunca estiveram tão fortes (com a Rússia atingindo o seu auge econômico desde o fim da União Soviética e a China que está prestes a tomar o posto dos EUA de potência número 1 do mundo).

Pedro Delfino é especialista em História da Civilização Ocidental e História da Igreja Católica; autor do livro Mentalidade Atrasada, Nação Fracassada (que aborda temas como História, Filosofia e Política); do Curso de História Geral da Civilização Ocidental, do Curso de Excelência Catholica, do livro Via Sancta e é co-Fundador do Movimento Brasil Conservador.
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