A partir do momento em que um grupo consegue dominar as universidades e a mídia, tomando assim as rédeas da narrativa, a sua perspectiva pessoal sobre a realidade passa a ser a perspectiva “oficial” e todo aquele que sinalizar qualquer discordância em relação a isso é logo tomado como um mal a ser eliminado do nosso meio. Essa dinâmica constrói uma situação muito parecida com o conflito eterno entre israelenses e palestinos: enquanto um, Israel, quer apenas exercer a sua liberdade de existir, o outro, Palestina, enxerga como inaceitável a hipótese da coexistência pacífica. Por isso, vivem em pé de guerra, uma vez que a tolerância mútua não é um valor compartilhado por ambos.
Na política brasileira, acontece o mesmo: conservadores jamais pregaram que a esquerda não poderia existir, mas, pelo contrário, tentam apenas defender o seu próprio direito de existir TAMBÉM, junto a ela, e de estar presente nos meios acadêmicos e jornalísticos em igualdade de condições. É só isso o que pedimos.
Se qualquer conservador fosse criar um espaço universitário ou de debates na mídia, certamente não estaria na sua agenda o bloqueio do pensamento contrário, mas acharia bom que ele estivesse presente até mesmo para que os seus erros pudessem ser expostos. O próprio Olavo de Carvalho, a quem chamam de o maior “guru da direita” já cansou de tecer críticas ao movimento Escola Sem Partido, pois, na sua opinião, o ideal a ser buscado deveria ser uma “Escola com Todos os Partidos”, isso é, um espaço onde a pluralidade fosse bem-vinda. Eu não vejo, no entanto, a mesma boa vontade na militância esquerdista em dar abertura alguma ao contraditório, uma vez que ela não enxerga o direito de existir como um direito que nós, da direita, deveríamos ter.
Se pudéssemos resumir essa diferença, eu diria que o desejo de todo direitista é o de combater a esquerda, enquanto que o desejo de todo esquerdista é o de eliminar a direita. Nós sonhamos em vencê-los; já eles sonham que nem haja uma disputa para início de conversa. Nós queremos um 3 x 0, eles querem um W.O.
Isso acontece pelo fato de que, quando o movimento revolucionário começou a se utilizar da base filosófica de pensadores relativistas, a noção de moral, de certo e de errado deixou de ser objetiva e se tornou suscetível ao uso político conforme às necessidades do movimento. Isso vem desde Karl Marx, que no Manifesto Comunista já havia dito ipsis litteris que a revolução deveria “acabar com a moral e com as verdades eternas”, citando como exemplo a “liberdade e a justiça”. A consequência prática e inescapável disso é que a perspectiva acerca da realidade não seria mais vista por eles como algo que precisava respeitar certos limites (ou seja, a perspectiva não seria mais balizada pela própria realidade), mas, sim, algo modelável de acordo com os objetivos e circunstâncias de momento para se alcançar um fim determinado.
Em outras palavras, a realidade se transformou em uma enorme inconveniência para aqueles que desejavam fazer a cabeça do povo, apresentando uma visão de mundo alternativa onde dois mais dois não mais seriam quatro, mas qualquer outro número que fosse conveniente naquele momento e que teria o efeito de inflamar as massas contra um inimigo político seu. Portanto, quanto mais essa gente se apoderou dos meios acadêmicos e midiáticos de produzir e difundir o conhecimento, mais a verdade ia sendo classificada como uma ferramenta burgo-fascista para sistematizar e perpetuar a opressão de uns contra outros.
Chegamos assim ao momento avançado da história em que a realidade tal como ela é não pode sequer ser mencionada mais e virou um grande tabu intocável, que as pessoas podem ver, mas não podem falar, sob pena de serem tomadas como agressoras deste castelo de cartas que os filhotes de Karl Marx ergueram nas nuvens, como a fortaleza sacrossanta onde o delírio e a fantasia poderiam reinar à vontade sem serem incomodados.
É a concretização da velha piada de Groucho Marx, um comediante americano do século passado que, ao tentar enganar seus colegas com desculpas claramente falsas, questionava assim: “Em quem você vai acreditar: em mim ou nos seus próprios olhos?”. Os donos da narrativa, hoje, desafiam a inteligência do povo com esse mesmo questionamento todos dias: “Em quem vocês vão acreditar: no que diz a Folha de SP, a Globo, a USP, a OMS ou nos seus próprios olhos?”. E coitado de quem responder “nos meus próprios olhos”…
Apontar o dedo para a realidade inconveniente, então, é um ato de coragem ao qual deram o apelido de “discurso de ódio“, que, na verdade, deveria se chamar “discurso que eu odeio“, uma vez que o ódio parte de quem discorda do discurso e não de quem o profere; de quem não suporta o fato de não estar conseguindo emplacar a sua narrativa unanimemente; e de quem sente ter sido preterido em prol do que os nossos próprios olhos estão vendo.
Assim nasce o bordão “discurso de ódio não é opinião”, como quem diz: certas opiniões são inaceitáveis e não podem existir pela manutenção do “bem comum”. Mas, todavia, quem decidirá quais opiniões promoverão o bem comum, de fato, e quais não? Dar a um grupo, seja ele qual for, tamanho poder, é algo que só pode terminar em tirania. E a tirania, invariavelmente, se voltará contra eles mesmos em algum momento. Na ótica dessas pessoas, o marxismo é maravilhoso, não é? Mas até mesmo os escritos de Marx foram transformados em ditaduras sangrentas a partir do momento em que um grupo específico alcançou o poder de impor os seus “belos ideais” com punho de ferro.
Se o revolucionário tem, dentro de si, a crença de que ele precisa chegar a um determinado fim (a sociedade revolucionada), então, tudo o que servir para esse propósito é bom e tudo o que atrapalhar esse propósito é mau. Isso explica, inclusive, o furor com o qual se mobilizam a fim de rotular a opinião direitista como “discurso de ódio”, enquanto fecham os olhos para falas idênticas ou até piores quando são feitas por esquerdistas.
Para quem não pisa no terreno firme da moralidade, tudo é conveniência. Para quem é obcecado com o sucesso da revolução, discurso de ódio é tudo aquilo que se coloca no caminho dela. No passado, o comunismo colocava algemas e lançava os “rebeldes” que não se dobravam ao Partido às gulags; hoje, não é preciso mais encarcerar os rebeldes, basta que eles sejam silenciados pelo assassinato de reputações que a patrulha do politicamente correto empenha e sejam transformados em monstros a quem ninguém pode ser louco de dar voz ou atenção.
Toda essa distorção da percepção humana começa com a manipulação da verdade que faz o jovem revolucionário crer que o problema do mundo está na ordem (política, econômica, social e religiosa) estabelecida. Ele é induzido, a partir da faculdade, do jornal, das novelas, dos filmes, a agir contra os inimigos errados na medida em que se fomenta neles um ódio contra as injustiças que esses inimigos supostamente praticam. A partir deste ponto, já não há mais ressalvas, já não há mais limites na luta contra o mal: qualquer radicalidade é justificada em resposta a uma brutal injustiça – mesmo que ficcional. Em outras palavras, está liberado o ódio! Desde que seja contra os “meus” inimigos…
Basta escolher as causas certas, os inimigos a serem batidos e pronto: a massa se moverá como um rolo compressor para impedir que determinados grupos, ideias ou indivíduos existam. Afinal, a cada minuto que eles permanecem sobre a terra, é uma injustiça a mais que cairá na conta de quem não se posicionar contra eles. Isso cria a contradição das contradições: atos de violência pedindo o “fim da violência”, manifestações de ódio contra o “discurso de ódio” e demonstrações de intolerância em prol da tolerância.
Vivemos em tempos confusos, de fato, onde o bom senso é tachado como extremismo e a alienação é apenas mais um “ponto de vista”.
Pobres revolucionários, não percebem que, se os seus planos para o país pudessem ser plenamente concretizados um dia, todo esse poder tirânico que eles estão colocando nas mãos do Estado e de movimentos políticos, para ser empregado contra os adversários do plano, mais cedo ou mais tarde será usado contra eles mesmos.
Discurso de ódio, para mim, é o de quem odeia a verdade, o país e a civilização, em nome de uma utopia falida que só promoveu miséria, fome, mortes e escravidão em todos os lugares em que passou.

Pedro Delfino é especialista em História da Civilização Ocidental e História da Igreja Católica; autor do livro Mentalidade Atrasada, Nação Fracassada (que aborda temas como História, Filosofia e Política); do Curso de História Geral da Civilização Ocidental, do Curso de Excelência Catholica, do livro Via Sancta e é co-Fundador do Movimento Brasil Conservador.
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